Os parlamentares mirins, como sabido, possuem diversas competências, merecendo destaque a função legislativa (prescrever normas de interesse local), a função fiscalizadora (supervisionar a atuação do Poder Executivo) e de observar e tentar resolver – através de requerimentos, indicações, etc. - as inúmeras demandas da coletividade.
Aqui, até porque é o tema do tema, chame-se atenção para a função fiscalizadora.
A Constituição Federal de 1988 (art. 31) expressamente declara que ao Poder Legislativo Municipal compete a fiscalização do Município, através de controle externo (com auxílio do Tribunal de Contas competente) e controle interno (previstos em regulamentos).
Ocorre que, não raramente, o Poder Judiciário brasileiro julgam improcedentes ações – geralmente mandado de segurança – propostas por vereadores que, diretamente, buscam obter informações dos chefes do Poder Executivo Municipal.
A negativa de prestação jurisdicional, em regra, se dá ao entendimento de que a fiscalização do Poder Executivo é realizada pelo Poder Legislativo, não podendo o pedido de informações se concretizar através de ato isolado de um parlamentar mirim.
Em outras palavras: qualquer pedido de informação ao chefe do Poder Executivo Municipal necessariamente terá de ser submetido à apreciação e aprovação dos demais membros da Câmara Municipal competente.
A compreensão é equivocada, destoante da lei e contrária a sapiência da Excelsa Corte.
Os vereadores, além de parlamentares, são cidadãos e, em razão desta circunstância, pode – e deve – exercer plenamente o direito fundamental de acesso à informação, seja ela de interesse pessoal ou coletivo. E mais: é dever do Poder Público franquear a consulta e prestar informações sobre os atos de governo praticados.
O inciso XXXIII do artigo 5º, o inciso II do §3º do artigo 37 e o §2º do artigo 216 todos da Constituição Federal de 1988 corroboram a inteligência, ou seja, que o direito à informação é direito fundamental do cidadão, sendo dever do Poder Público, quando instado, franquear e prestar os esclarecimentos necessários.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; (...). (Grifos e omissões nossos).
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:
(...)
II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; (...). (Grifos e omissões nossos).
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
(...)
§2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. (...). (Grifos e omissões nossos).
Regulamentando o inciso XXXIII do artigo 5º, o inciso II do §3º do artigo 37 e o §2º do artigo 216 todos da Constituição Federal de 1988, a Lei Federal n. 12.527/2011 (Lei da Transparência) é clara em prescrever que que qualquer pessoa poderá solicitar e obter informações de órgãos e entidades governamentais, com fins de fortalecimento da transparência e controle social sobre a atuação estatal:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal.
Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei:
I - os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público;
II - as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Art. 2º Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de ações de interesse público, recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres.
Parágrafo único. A publicidade a que estão submetidas as entidades citadas no caput refere-se à parcela dos recursos públicos recebidos e à sua destinação, sem prejuízo das prestações de contas a que estejam legalmente obrigadas.
Extirpando qualquer controvérsia sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de Repercussão Geral – Tema 832 -, expressamente declarou que ao vereador, enquanto parlamentar e cidadão, é conferido o direito de obter diretamente do chefe do Poder Executivo informações e documentos sobre a gestão municipal:
STF. Tema 832. O parlamentar, na condição de cidadão, pode exercer plenamente seu direito fundamental de acesso a informações de interesse pessoal ou coletivo, nos termos do art. 5º, inciso XXXIII, da CF e das normas de regência desse direito. (Grifos nossos).
A negativa de prestação jurisdicional - de pedido formulado por parlamentar mirim diretamente ao Poder Executivo – deve ser rechaçada, na medida em que ao vereador, enquanto parlamentar e cidadão, é conferido o direito de obter diretamente do chefe do Poder Executivo informações e documentos sobre a gestão municipal.
Aos vereadores, assim como qualquer cidadão, é dada a prerrogativa de fiscalizar e de controlar a destinação e a utilização do patrimônio público e a prestação de contas relativas às verbas públicas, possuindo, assim, legitimidade para obter as informações diretamente do Poder Executivo Municipal.
Afinal, como dito alhures, o direito de informação é garantido a todo e qualquer cidadão, que, com muito mais razão, deve ser reconhecido a vereador, ante sua função precípua de fiscalizar a legalidade dos atos administrativos:
RETRATAÇÃO. Mandado de Segurança Coletivo. 1. Impetração por Associação. Manutenção. Desnecessidade de autorização específica da assembleia da entidade associativa. Aplicação da Súmula n. 629 do STF. Julgamento do RE 573.232/SC (Tema nº 832 do STF) que não se aplica a hipótese por se tratar de mandado de segurança coletivo. Acórdão mantido. 2. Acórdão que, em juízo de retratação, não altera o entendimento. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 0034625-47.2013.8.26.0053; Relator (a): Oswaldo Luiz Palu; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 4ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 09/04/2024; Data de Registro: 09/04/2024). (Grifos nossos).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. PEDIDO DE INFORMAÇÕES, PROCEDIDO POR VEREADORES DO MUNICÍPIO DE FORQUETINHA, A SEREM PRESTADAS PELO PREFEITO MUNICIPAL. FIXAÇÃO DE 24 HORAS PARA O CUMPRIMENTO DA DECISÃO. 1. Preliminar de impossibilidade de deferimento de liminar que esgote, no todo, o objeto da ação. Ainda que a Lei 8.437/92 refira ser inadmissível a concessão de liminar que esgote o objeto da ação, deve - se levar em conta a peculiaridade de cada situação, mormente quando se está a tratar de questão que dificilmente se rá modificada ao final. Regra de caráter geral que admite exceções. Preliminar alijada. 2. Prefacial de carência de ação por ilegitimidade ativa dos vereadores da municipalidade. Direito de informação, garantido a todo e qualquer cidadão, previsto no art. 5º, 8 XXXIII, da CF/88, que, com muito mais razão, deve ser reconhecido a Vereador, ante sua função precípua de fiscalizar a legalidade dos atos administrativos da Câmara, 3. Mérito. Embora o art. 39, X da Lei Orgânica Municipal refira que compete ao Prefeito Municipal prestar, por escrito, e no prazo de trinta dias, as informações que a Câmara de Vereadores solicitar, a respeito dos serviços a cargo do Poder Executivo, não vem a lei dizer que devam as informações ser prestadas no trintídio. Mas até lá. Pode ser no primeiro dia até. Decisão de primeiro grau que, ao determinar o cumprimento da obrigação em 24 horas, de forma alguma cerceia o direito do agravante. Recurso desprovido. (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70018086785, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: CARLOS ROBERTO LOFEGO CANIBAL, JULGADO EM 13/06/2007). (Grifos nossos).
Privar um vereador – ou qualquer outro parlamentar – de obter diretamente informações do Poder Executivo Municipal é, com certeza, submetê-lo a maioria política da Casa Legislativa Mirim, geralmente aliada ao chefe municipal.
O “jogo político” – intolerável no regime democrático - não pode sobrepor-se ao interesse coletivo.
A atuação colegiada da Câmara Municipal não pode inibir ou restringir a atividade do vereador.
Os princípios da colegialidade e da separação dos Poderes devem sucumbir diante do direito fundamental de acesso à informação (art. 5º, XXXIII, CF/1988; art. 37, §3º, II, CF/1988; art. 216, §2º, CF/1988) e da publicidade dos atos administrativos (art. 37, caput, CF/1988), com a aplicação das regras previstas na Lei de Acesso à Informação.